sexta-feira, 27 de junho de 2008

Libras

Já passava das 18h quando Miguel sentou-se ao banco daquele coletivo, rumo à sua casa. Quinta-feira sempre tinha aula extra de reforço para o vestibular e passar o dia inteiro no colégio era completamente desgastante. Em sua mente apenas uma boa ducha e depois uma cama. Parecia exausto como um maratonista e descansar era o que precisava.

Sua viagem seguiu sem que se desviasse desse sonho de água morna e lençóis macios, até ouvir uma voz diferente, ou um grito, ou algo assim. Ele apenas observou ter sido um som diferente e se deparou com um menino atravessando a roleta do ônibus e gesticulando para uma mulher que parecia ser sua mãe. O garotinho apontava para um banco vazio perto de Miguel. Mãe e filho estavam acompanhados de mais uma criança e uma mulher. A menininha não deveria ter mais de 7 anos, e sua mãe, como supôs Miguel, parecia ser jovem. O garoto sentou no lugar vago e as demais ficaram de pé.

Logo se iniciou um diálogo sem sons. A menina gesticulava com sua mãe e Miguel ficou atento a conversa. Após ficar longos minutos prestando a atenção à conversa dos outros, lembrou-se que não deveria fazer isso, pois além de ser incômodo para quem conversa, não lhe dizia respeito o assunto. Mesmo assim, não resistia e entre uma olhada e outra para a janela ao seu lado, acabava por olhar os as palavras contidas nos gestos da menina loira e magrinha para a sua mãe que também respondia com as mãos.

Um lugar à frente de Miguel ficou vago, a mulher sentou-se e colocou sua filha no colo. Miguel estava com uma musica do Épica na mente e intuitiva mente tamborilava os dedos nas mãos como se estivesse fazendo virada na bateria. Sua cabeça balançava sutilmente na cadência da musica que fixara à sua mente. Por um momento se sentiu observado e olhou para sua frente. A menina estava mirando-o, provavelmente tentando entender O porquê de aquele garoto de preto estar balançando a cabeça enquanto olhava pra janela.

Miguel olhou para a menina e ao mesmo tempo erguei a mão fechada com apenas o dedo mínimo levantado, era um oi. A menina olhou para sua mão e respondeu com uma língua apontando em sua direção, uma bela careta. O rapaz apenas fez uma cara de espanto, mas não se deu por vencido. Apontou o indicador para a menina e em seguida, com os dedos médio e indicador juntos, traçou uma linha horizontal, qual o seu nome era sua pergunta. A menina ficou parada olhando para ele e novamente Miguel fez o mesmo gesto interrogativo. Com uma expressão de dúvida a menina chama a mãe, no meio de uma série de gestos rápidos, Miguel entendeu apenas, conhece? A mulher olhou para trás e balançou a cabeça de forma negativa. Vendo que Miguel a olhava, ela disse:

_Você fala em Libras?
_Um pouco.
_Ela me perguntou se eu te conheço, acho que não, né?
_Não, apenas perguntei o nome dela.

Nesse meio tempo, a menina conversava com o garotinho que estava á frente. Curioso ele fez gestos para o Rapaz de preto, “Você conhece os sinais?” Miguel respondeu com sua mãos: “por que acha que eu conheço?” era uma brincadeira e o garoto riu.

A menina olha para o Moço a sua frente e decide responder sua pergunta. Com as mãos ela soletra:
L, O, R, E, N e A. Lorena.

Com as mãos fechando um leque na altura do queixo e em seguida com os dedos médio e indicador traçando novamente a linha horizontal, Miguel disse: “Bonito nome!” e logo se apresentou: “meu nome é Miguel, gosto de desenhar!”

Lorena sorriu e virou para sua mãe, conversaram e no meio dos gestos rápidos saiu um que Miguel parecia conhecer, mas não estava certo. A mulher olhou para o rapaz e perguntou:
_Você sabe o que significa esse gesto?_ E com as mãos paralelas e os dedos indicadores subindo e descendo ela reproduzia o gesto a ele.
_Não, acho q me esqueci!
_É namorar...
_Ah sim! Eu esqueci!
_Você estudou libras?
_Não, eu namorei uma menina que era um pouco surda, ela me ensinou algumas coisas.
_Surda moderada, Lorena é completamente surda, ela não escura ruído nenhum!_ disse isso e explicou para a filha como eu sabia os sinais.

Lorena gesticulando perguntou ao Rapaz: “Você não quer namorar minha mãe?”. A face branca dele ficou vermelha de tanta vergonha. Pensou um pouco e dirigiu seus gestos à menina: “sua mãe é muito bonita, mas eu tenho namorada!” Pegou a carteira e mostrou uma foto dele com Karla.

Lorena sorriu e emendou outro assunto, suas mãos era ágeis e o rapaz olhava atento para não se perder, alguns dos gestos ele não conhecia, mas no todo do assunto daquela loirinha ele entendia o contexto. Falou da novela, que adorava ver e acompanhava os diálogos pelo closed caption, recurso que coloca legenda na programação da TV.

_Onde estamos? _perguntou a mãe de Lorena
_Jardim esperança
_Falta muito para Várzea?
_Uns 20 min, eu acho!
_Você vai descer onde?
_Daqui a pouco, moro no Netto, é daqui a três pontos!

A mulher sorriu. Lorena parecia ser bem levada, seus cabelos dourados balançavam enquanto ela conversava freneticamente com sua mãe.

O ponto em que Miguel desceria se aproximava, então ele se levantou, ficou ao lado do banco em que Lorena e sua mãe estavam e com gestos disse a pequena: “ Paz de Cristo!” mandou um beijos e acenou um tchau se despedindo da mãe da menina também! A menininha acenou sorrindo. Miguel acionou o sinal, o ônibus parou, ele desceu e foi para a casa. Um chuveiro morno e uma cama era o que precisava agora.

Um comentário:

Alessandra Batista disse...

Mto legal. Acho interessante como o cotidiano do Naldo é expressado na atitudes de Miguel e companhia.
Mto bom. Very kisses!