O dia em que não sabíamos que era o último
Estávamos exaustos.
Não daquele cansaço que reclama do corpo, mas daquele outro, o que pesa na alma e alivia nos detalhes. Foi depois de mais um dia de trabalho puxado que dividimos uma pizza qualquer — não lembro o sabor, mas lembro a partilha. E isso basta.
Sentamos, talvez deitados, e colocamos Pobre Criatura pra rodar. Não vimos o final. A gente dormiu no meio, como quem entende que o descanso também é uma forma de amar. Os corpos se encontraram na calma, e o sono chegou como abraço e assim nos entrelaçamos.
No dia seguinte, café na mão e sorriso nos olhos. Beijos múltiplos como vírgulas dizendo: "volto logo", mesmo que a história estivesse na última página.
E foi. Foi a última vez que a vi.
Ela partiu sem alarde, como um meteoro que risca o céu só uma vez.
Mas deixou em mim risos, conchinhas, amor e uma memória que, de tão viva, parece inventada por um coração que sonha demais.
Desde então, a vida seguiu como ela costuma seguir: tropeçando nos dias, distraindo-se com tarefas, fingindo que não dói. Mas há momentos em que tudo silencia por dentro, e aí ela volta, com aquele sorriso que acende tudo ao redor. "Já te disseram que seu sorriso é lindo? Não.. Ah, ele é lindo!" E ganhei um sorriso mais bonito ainda!
Tem dias em que acordo esperando ouvir aquele "bom dia" sussurrado entre um gole de café e outro. E quando lembro que não vem mais, respiro fundo e deixo a memória sentar-se ao meu lado.
Porque esquecer não é verbo que se conjuga com afetos assim.
Ela não levou só a presença, levou também uma parte da minha versão mais entregue, mais boba e sincera. Contudo deixou algo em troca: a lembrança de um amor que aconteceu com verdade, mesmo que breve. E isso, ah, isso não se apaga.
Hoje escrevo porque a dor precisa de vazão.
Porque a saudade precisa de nome.
Porque o silêncio que ela deixou ainda conversa comigo nos cantos mais improváveis da alma. aparecem em lembranças, em música, em vídeos, em fotos...
E talvez seja essa a mágica triste do amor:
ele às vezes termina antes da gente estar pronto — mas nunca vai embora de verdade.
Naldo Costa
Foto de Yaroslava Bondareva : https://www.pexels.com/pt-br/foto/preto-e-branco-p-b-pes-cobertor-8574029/
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